28 setembro 2006

SERES INACABADOS


Sempre disse que as coisas não são fáceis. Por mais que a gente possa falar que são depois da batalha. Sempre tive que lutar para ter o que precisei. E nessas horas, por mais doce, por mais sensível que se seja, a gente tem que tomar posições e atitudes incisivas. Olhar em frente e seguir. Tentar escutar os sinais do coração - mas unir a razão. Dar as mãos ao desconhecido. Arriscar para poder crescer mais. Talvez não alcançando o que desejou. Mas, justamente por isso, aprendendo a amadurecer. Perder pode ser ganhar. Pois nem só de conquistas se vive. Somos construídos por derrotas também.
Há dias em que acordo com a sensação de que não há muitas escolhas que me estimulem a seguir em frente. Os sinais são imensos para desistir dos meus desejos, sonhos, paixões, pessoas. Mas, no meio da luta real, vejo tantos mistérios. Tantas saídas. Tantas risadas escondidas. Milagres que me chamam. Milagres de todo o dia.
Descubro então o colorido do mundo. No sorriso que me cativa. Nas palavras que me cercam de todas as maneiras. Nas pessoas que me dão o que me falta. Calor para os dias gelados.
Assim foram esse dias...
Acordar. Não querer levantar. Esperar. Caminhar sob o vento gelado. Ver milhões de prontuários sendo colocados na sua frente. Esperar...
Ouvir a "Dra. Bailey" perguntar se o colega - que não encontrava o leito - tinha alguma problema... se havia nascido quadrado - que ele se virasse até achar.
Os prontuários se acabaram. E lá estava eu num P.S. superlotado. Pessoas amontoadas nas macas. Corredor cheio.
- Hei, você aí... fica com o leito 07.
- Leito 05 é o seu.
E lá vou eu para o pós-cirurgico. "Dra. Bailey" escolhe o 7B pra mim. Agarro o prontuário. Nome, leito, ala... Lá vou eu.
Paciente ótima. Acompanhante maravilhosa. Tivemos uma longa conversa nessa manhã. E, ao final, missão cumprida. Nada paga as coisas que ouvi daquela moça e sua mãe. Nada paga os abraços. As palavras. O calor. E, no meio da cidade fria, um coração quente. Cheio de riqueza. Com a certeza de que - no meio de um ambiente de doenças - há pessoas lindas em suas pequenas-grandes almas. Certeza de que aquela feirante - com o seu relato - tinha me feito uma pessoa melhor e mais feliz naquela manhã.
Por mais que acorde vendo obstáculos, as recompensas são maiores. E a gente vai em frente nesse jogo: em que pessoas reais - precisam de palavras reais, de dedicação... Humanidade. E também da eficiência do nosso trabalho, das nossas horas de estudo, do nosso pequeno conhecimento que seja.
Depois, na discussão dos casos, pensei nas coisas que abdiquei para estar ali. Naquela minha frase num email "amarelado" de tão envelhecido: "Nós somos a soma das mudanças de nós mesmos". Que vão nos moldando, esculpindo, transformando-nos nesses seres sempre inacabados e felizes - mesmo que nem tudo seja tão fácil!

Nenhum comentário: